Hospital de Messejana alcança a marca de 500 transplantes cardíacos e se torna o segundo maior hospital transplantador do Brasil

22 de fevereiro de 2023 - 16:48 # # # # # #

Assessoria de Comunicação da Casa Civil e do HM Produção: Jessica Fortes Texto: Larissa Falcão Fotos: Tatiana Fortes

 Importante capítulo na história da saúde pública brasileira, o programa de transplante do Hospital de Messejana, da Saúde do Ceará, completará 25 anos em atividade

No colar da professora Ester Emerick Cheron, de 37 anos, um pingente de coração, apesar da delicadeza da forma e do tamanho, sustenta a grandeza e a força que tem o viver. Um símbolo para ela, natural de Alvorada do Oeste, em Rondônia. Ester passou por um transplante cardíaco em dezembro de 2022 no Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM), unidade da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), em Fortaleza.

“O bonito é que ele [pingente] termina onde começa a minha cicatriz, a que tenho muito orgulho: da minha nova vida. O pingente representa meu coração novo, só que fora do peito”, ressalta a rondoniense. A inspiração do objeto, conta, surgiu ao ver uma enfermeira do HM usando um item semelhante, também em formato de coração.

Fundado em 1933, o HM é um equipamento voltado para a assistência de alta complexidade, o ensino, a pesquisa e a inovação, sendo especializado no diagnóstico e no tratamento de doenças cardíacas e pulmonares. A estrutura acolhe pacientes dos 184 municípios cearenses e de outras regiões do Brasil, tanto na Emergência como nos 25 ambulatórios do Serviço de Pacientes Externos.

A unidade se consolida como referência ao alcançar, nesta semana, a marca de 500 transplantes cardíacos, ficando atrás apenas do Instituto do Coração, localizado em São Paulo, com mais de mil procedimentos. Antes disso, em junho de 2011, o Hospital de Messejana foi a primeira unidade do Norte e Nordeste a realizar transplante pulmonar.

O governador do Ceará, Elmano de Freitas, destaca a importância da marca histórica. “O HM é referência nas áreas de Cardiologia e Pneumologia. É pioneiro em transplantes cardíacos pediátricos e pulmonares, sendo o segundo maior hospital transplantador do País. Parabéns a toda equipe de profissionais do Hospital de Messejana que faz história e salva vidas todos os dias”, reforça.

O atendimento é feito por uma equipe multidisciplinar com 33 profissionais, entre cirurgiões, cardiologistas, anestesistas, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, fisioterapeutas, dentistas e nutricionistas. Trabalhadores que se dedicam diuturnamente na reabilitação dos pacientes.

O caminho até o novo coração

Cada transplante realizado no HM guarda em si histórias e sonhos de pessoas como Ester, diagnosticada aos dez anos de idade com miocardiopatia hipertrófica, a mais comum doença cardíaca de origem genética.

Apesar do diagnóstico, Ester sempre tentou dar à própria vida um ritmo normal. Formou-se em Pedagogia, casou e teve dois filhos. “Eles nunca me viram saudável. Eu não podia acompanhá-los nos jogos de futebol nem passear com eles na rua, porque eu me cansava. Era uma rotina de uma pessoa doente que eles cresceram vendo. Agora não, por graça de Deus e com esse coração, a gente vai fazer um planejamento diferente, que é meu maior sonho”, projeta.


Primeiro transplante cardíaco realizado no HM, em Fortaleza, foi em 1999

Em 2017, a doença evoluiu para insuficiência cardíaca. Foi quando a professora precisou viajar até o estado de São Paulo para colocar um cardioversor desfibrilador implantável (CDI). À época, o dispositivo ainda não estava disponível na rede pública de saúde em Rondônia. O aparelho detecta arritmias graves e as trata por meio de estímulos elétricos.

“[Em 2020] A bateria do meu CDI acabou, e eu fiz a troca, em Rondônia, no fim desse ano. De lá até 2022, as coisas não foram melhorando, mesmo com essa nova tentativa. O médico que estava me acompanhando já tinha avisado que, provavelmente em dois anos, eu precisaria entrar no transplante”, lembra.

O ano passado foi marcado por momentos difíceis para ela. Foram internações ao longo dos meses, num descompasso entre o estado de saúde e o arrastar dos dias. A equipe médica iniciou a busca para encontrar um estado com a menor fila de transplante. “[O médico disse que] o lugar é o Ceará. Aí, nós viemos, meu marido e eu, sem conhecer ninguém. Deixamos a família lá. Só as malas, sem saber quando iremos voltar”.


Ester e o marido saíram de Rondônia para o Ceará em busca de um novo coração para a professora

No Hospital de Messejana, Ester foi encaminhada para a consulta com o médico cardiologista e coordenador da Unidade de Transplante e Insuficiência Cardíaca, João David de Souza Neto. Em outubro de 2022, foi internada para a cirurgia de transplante. Nesse período, a professora precisou usar durante 14 dias a oxigenação por membrana extracorpórea (Ecmo), uma espécie de coração e pulmão artificiais.

“Foram os piores dias para mim. Primeiro, porque eu fiquei mais da metade deles consciente. Estava na UTI [Unidade de Terapia Intensiva], em Ecmo, sem poder mexer, e vendo tudo acontecer. Eu tinha consciência de que, sem um coração novo, eu não resistiria”, sublinha.

Toda a equipe do HM estava mobilizada para encontrar o novo coração de Ester. Três apareceram, sendo que duas famílias negaram a doação do órgão e um terceiro não foi compatível. Apesar disso, ela continuava recebendo afeto para seguir na espera.

“Nesses dias, eu fiz aniversário, mas já estava emocionalmente destruída, chorando muito. A equipe fez bolo de aniversário para mim, deixaram meus filhos entrarem e meu marido ficar mais tempo comigo. Ele foi meu grande apoio e não me deixou desistir. Eu pedia para ir embora, morrer em casa, e o médico dizia que meu coração ia chegar. Toda a equipe tentava de tudo para me animar. Até que chegou o dia que meu coração apareceu”, rememora.

Ester recebeu alta no início de fevereiro e está em acompanhamento na Unidade de Transplante e Insuficiência Cardíaca do HM. Por isso, a volta para Alvorada do Oeste, em Rondônia, vai demorar um pouco, mas ela já considera o Ceará como um lar também. “Eu achava que Deus tinha me trazido para eu morrer aqui, mas não foi. Ele me trouxe para me salvar aqui. Sou muito grata à família que teve a atitude de doar o órgão”, agradece.

Além do “milagre da praia”

Os primeiros transplantes cardíacos no Ceará foram realizados de 1993 a 1997, tendo a participação dos médicos João David e Juan Mejia. No Hospital de Messejana, o primeiro procedimento ocorreu em janeiro de 1999: o do marceneiro Antônio Pereira de Moura, com 37 anos à época e portador de miocardiopatia isquêmica. O senhor Moura, como é conhecido, também foi o primeiro a passar por retransplante de coração na unidade estadual, em 2005.


O médico João David acompanha a evolução dos transplantes no HM desde o início da realização dos procedimentos   

Em 1997, foi criado o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), vinculado ao Ministério da Saúde, por meio do Decreto Federal n° 2.268. A instituição é responsável pelo controle e pelo monitoramento dos transplantes de órgãos, de tecidos e de partes do corpo humano em território brasileiro.

Trinta anos depois dos primeiros transplantes no Ceará, que para alguns céticos era êxito pontual, chamado de “milagre da praia”, a experiência do HM hoje é referência no Sistema Único de Saúde (SUS), considerado o maior sistema público de transplantes do mundo.

Essa história tem a marca e a dedicação de profissionais como o cardiologista João David de Souza Neto. “Isso surgiu dessas ideias nossas com um grupo de cirurgiões junto à comunidade do HM. Um marco que começou a ser organizado em 1998, do que conhecíamos em outros centros brasileiros e fora do País. Os pacientes com indicação para transplante, isto é, com doença cardíaca em fase quase terminal, sem outro recurso que não fosse terapêutico, tinham de ir para São Paulo. Ninguém sabia como era o sofrimento de esperar um transplante em uma cidade como São Paulo. Isso inverteu. Esses pacientes não precisavam mais ir até lá”, diz.

O que teve início para minimizar os sofrimentos de pacientes e familiares, aumentando as chances de vida, transformou-se na Unidade de Transplante e Insuficiência Cardíaca. “O Hospital de Messejana é pujante [em outros setores]. O transplante, na realidade, quando surgiu e foi caminhando, trouxe várias coisas que não existiam: medicamentos, procedimentos invasivos de 24 horas como cateterismo, ecocardiograma de 24 horas, integração entre os profissionais do HM e a Unidade de Transplante, criação da Unidade de Insuficiência Cardíaca”, cita o coordenador do setor.

Ainda sobre a dedicação dos profissionais do HM, João David diz que esta é uma característica que se confirma ano após ano. “Todos os profissionais, do porteiro até o auxiliar do centro cirúrgico, o contínuo, o maqueiro, o motorista da ambulância que sai às pressas para buscar o coração, todos se envolvem. Sem essa colaboração, não funciona. A partir do momento em que é captado o órgão, deve-se implantar o coração em até quatro horas. Isso envolve a comunidade do hospital e também de fora, como a Polícia Militar e a família do doador”, acrescenta o cardiologista.

Esse exemplo atraiu para o HM profissionais e estudantes de várias áreas da Saúde. “A partir de 2003, começamos a divulgar a experiência e o conhecimento. Vieram grupos de outros estados e profissionais de outras equipes. Fizemos cursos e workshops exclusivos de transplantes dentro do Hospital de Messejana e em outros equipamentos de Fortaleza”, afirma o médico.

Divisor de águas

Dos 500 transplantes cardíacos realizados no HM, o cirurgião cardiovascular e coordenador cirúrgico do transplante, Juan Mejia, já participou de mais de 400 procedimentos, entre adultos e pediátricos. Sobre o início do transplante cardíaco no Ceará, o médico registra que foi um divisor de águas dentro da história da saúde pública brasileira, caracterizado pela durabilidade e inovação em conhecimento, tecnologia e gestão.

“Era a época em que o Ceará começava a despontar na doação de órgãos [década de 1990]. O Brasil começava a acordar também de um índice de doação de seis por milhão de habitantes, passando, recentemente, para fazer 16 ou 18. É claro que estamos atrás dos Estados Unidos, com 25 e 28 por milhão de pessoas, e da Espanha, com 35. Nesse embalo, nós também entramos para aprender e organizar. Foi um conjunto de trabalho para poder efetivar, primeiro, a doação de órgãos para transplantes e, dentro disso, o transplante de coração”, recorda o médico.

Dentro das ações de expansão, destaca-se a criação do serviço de assistência circulatória mecânica, o coração artificial. O Ceará foi pioneiro no uso da tecnologia no Brasil e treinou equipes de outros centros.


O médico Juan Mejia participou de mais de 400 dos 500 transplantes já feitos no Hospital de Messejana

“Eu sempre me perguntava como que fazem outros países e centros para não perder os pacientes. Como que eu faço que aguentem até o aparecimento de um doador? Então, fomos até diferentes centros importantes do mundo. Entendi que colocar máquinas como ponte para transplante podia ganhar tempo e mantê-los vivos enquanto aparecia o coração de um doador compatível. Criamos um programa robusto de coração artificial”, relata Mejia, também membro da Câmara Técnica do SNT.

Apesar dos avanços, o tempo ainda é uma variável importante para o coração humano. Estar atento a isso pode evitar problemas no futuro. “Existem algumas situações inerentes ao tecido cardíaco, em que realmente pouco faríamos mesmo modificando o estilo de vida. O paciente que não cuida da hipertensão e não atua sobre a diabete, por exemplo, contribui para a piora da irrigação do coração, que uma hora vai começar a crescer por causa da insuficiência cardíaca avançada. Coração crescido é a fase final de muitas doenças, porque a gente não teve o controle de uma vida organizada, com caminhadas diárias, mantendo o peso e evitando fumar”, exemplifica.

Sobre a escolha do perfil do doador de coração para o transplante, Juan Mejia fala das condições necessárias. “No Brasil, escolhemos um doador para transplante de órgãos quando a pessoa está em morte encefálica, com circulação funcionando e coração bombeando. Tem de ter uma idade limite, evitando doador com 50 anos ou mais. É uma série de circunstâncias muito exigentes para poder utilizar esse coração como órgão para transplantes em paciente em fase final de doença cardíaca”, pontua.

Solidariedade

Quando é preciso um novo órgão, a solidariedade humana também é decisiva. Por isso, o senhor Moura (à esquerda, de azul), primeiro paciente transplantado e retransplantado do HM, é duplamente agradecido às famílias dos doadores. “Eu tenho uma satisfação grande por falar sobre o transplante. Acho isso um projeto de vida. Eu sou exemplo para qualquer um quando se fala em cuidar do coração”, brinca. Prestes a completar 60 anos em 2023, ele segue em acompanhamento na Unidade de Transplante e Insuficiência Cardíaca do hospital.

A gratidão de Moura também se estende a toda equipe do HM, incluindo os médicos do transplante e do retransplante Juan Mejia e João David, respectivamente. Ambos foram inspiração para os nomes de dois dos cinco filhos do paciente. O médico João David, inclusive, é padrinho do também David, de 11 anos.

Referência

O Hospital de Messejana tem capacidade instalada de 463 leitos, sendo 70 deles de UTI. Em 2022, a unidade somou 2.675 procedimentos cirúrgicos. Outro destaque é a Hemodinâmica. No setor, são feitos procedimentos diagnósticos e terapêuticos na área cardiovascular, 24 horas por dia, todos os dias da semana. São realizadas cerca de 750 intervenções médicas por mês.